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Anestésicos locais
10/11/2012
Publicado por: administrador
Texto de Humberto Forte
Anestésicos Locais
Considerações Gerais
Os anestésicos locais(AL) são agentes que bloqueiam de forma reversível a condução quando aplicados a uma região circunscrita do corpo.
Os AL têm diversos usos clínicos. O uso mais comum é em anestesia regional e analgesia. São utilizados em anestesia subaracnóidea,
peridural, analgesia, bloqueios periféricos para membros superiores e inferiores e anestesia com cateteres, permitindo infusão contínua
da droga. Podem ser feitas aplicações tópicas para manuseio de vias aéreas, manipulação ocular e pele, possibilitando procedimentos
cirúrgicos. Os AL também são utilizados como antiarrítmicos, sendo a lidocaína uma das drogas de escolha para reversão de taquicardias
ventriculares com pulso. Finalmente, sabe-se que a lidocaína endovenosa diminui a sensibilidade das vias aéreas à instrumentação,
deprimindo reflexos e diminuindo o influxo de cálcio na musculatura de vias aéreas (dose necessária é de 2,0 a 2,5 mg/kg) e que atenua as
pressões intra-ocular, intracraniana e abdominal.
Todos os AL utilizados são bases fracas, que podem existir tanto na forma hidrossolúvel, lipossolúvel ou na forma neutra. A combinação do
pH do meio e do pK ou constante de dissociação da droga determina a quantidade de composto que existe em cada forma. A penetração da
forma lipossolúvel através da membrana lipídica neuronal parece ser a primeira forma de acesso do AL para dentro da célula, embora possa
ocorrer algum acesso pela forma hidrofílica através do poro aquoso do canal de sódio. A diminuição do pK da droga em relação a um dado pH
do meio pode aumentar a quantidade da forma lipofílica, facilitando a penetração da droga na membrana neuronal. A lipossolubilidade
determina atividade e potência do AL e pode ser usada como critério de classificação.
Embora o aumento da lipossolubilidade facilite a penetração na membrana, pode, também, resultar num aumento do seqüestro do AL na mielina
e em outros compartimentos lipídicos. Portanto, o aumento na lipossolubilidade, freqüentemente, atrasa o início de ação da droga,
aumentando a latência. Similarmente, a duração de ação é aumentada se a absorção do AL pelos compartimentos lipídicos como a mielina é
maior, funcionando como um depósito com liberação lenta dos AL. Assim, quanto mais lipossolúvel, maior a duração de ação.
Os AL que têm valores de pK geralmente acima do pH fisiológico. Em consequência disso, menos da metade dos AL estão na forma não-ionizada
(molecular) no pH fisiológico. Se tomarmos como exemplo, num pH de 7,4, somente 5% da tetracaína (pK de 8,5) está na forma molecular. Se
o AL é adicionado a um meio ácido (local infectado), aumenta-se a fração ionizada da droga. Assim, podemos observar que aqueles AL com pK
próximo ao pH fisiológico têm início de ação mais rápido (por apresentarem maior fração na forma molecular).
Outro aspecto importante a ser ressaltado é a taquifilaxia com os AL: taquifilaxia é definida como diminuição da eficácia de uma droga
após repetidas injeções e, nesse caso, é explicada pelo eventual consumo de tampões extracelulares pela solução ácida de AL (pH entre 4 e
6) com menor restauração da base anestésica ativa. A adição de adrenalina favorece a taquifilaxia, pois a vasoconstrição local favorece a
isquemia e aumenta a acidez. Caso haja adição de bicarbonato à solução ao invés de sais ácidos, pode haver melhora do bloqueio.
Classificação
Os anestésicos locais são divididos em dois tipos principais:
Prilocaína tem o metabolismo mais rápido; lidocaína e mepivacaína são intermediários e etidocaína, bupivacaína e ropivacaína têm o
metabolismo mais lento das amidas. A primeira etapa na metabolização é a conversão da base em ácido aminocarboxílico. O metabolismo
completo inclui hidroxilação e N- desalquilação do ácido aminocarboxílico.
Sofrem hidrólise pela colinesterase plasmática, principalmente no plasma e em menor extensão no fígado. A taxa de hidrólise depende do AL,
sendo a cloroprocaína a mais rápida, procaína a intermediária e a tetracaína a mais lenta. Os produtos metabólicos são farmacologicamente
inativos, que são o ácido paraaminobenzóico (PABA) e que é responsável por reações alérgicas. A única exceção de um éster que não sofre
hidrólise é a cocaína, que apresenta metabolismo, predominantemente, hepático. Sabe-se que quanto maior a toxicidade sistêmica, menor a
taxa de hidrólise. É importante ressaltar que a colinesterase plasmática está diminuída na gestação, doenças hepáticas, uremia e nos
pacientes recebendo quimioterápicos. Outro aspecto a ser considerado é que no líquido cérebro-espinhal há uma concentração muito pequena
ou quase nula dessa enzima. Portanto, quando um éster é injetado no espaço subaracnóideo, sua ação cessa apenas quando ele é reabsorvido
para a circulação sistêmica.
Toxicidade dos Anestésicos Locais
Os AL rapidamente atravessam a barreira hematoencefálica e a toxicidade no SNC pode ocorrer tanto por injeção direta no vaso quanto por
absorção sistêmica. Os sinais de intoxicação são dose-dependentes. Baixas doses produzem depressão e altas resultam em excitação e
convulsão. Os efeitos dos AL no SNC são os de bloquear neurônios inibitórios. Geralmente, uma baixa ligação às proteínas plasmáticas e um
baixo clearance aumentam o potencial de toxicidade. Acidose, aumento na PaCO2 também aumentam o risco de toxicidade, talvez pelo aumento
do fluxo sangüíneo cerebral. A adição de epinefrina diminui o grau de toxicidade, talvez pela diminuição da taxa de absorção sistêmica.
Por outro lado, o limiar convulsivo com a administração de lidocaína intravenosa em ratos é diminuído, em aproximadamente 42%, com a
injeção de epinefrina (1:100.000), norepinefrina ou fenilefrina. Esse mecanismo de aumento da toxicidade ainda não está muito claro, já
que esses estudos são recentes, mas acredita-se que esteja relacionado com o desenvolvimento de hipertensão relacionada com a
vasoconstrição. Um estado circulatório hiperdinâmico pode alterar ainda mais a permeabilidade da barreira hematoencefálica e aumentar a
distribuição do AL no cérebro. Além disso, esse estado hiperdinâmico diminuiria o clearance hepático por uma diminuição de fluxo local
Náuseas e vômitos ocorrem, principalmente, por hipóxia bulbar por causa da hipertensão arterial, tremores e convulsões.
Geralmente, doses muito maiores de AL são necessárias para produzir toxicidade cardiovascular do que no sistema nervoso central. Da mesma
forma, a toxicidade cardiovascular do AL está relacionada com sua potência. Observou-se que agentes mais lipossolúveis como bupivacaína,
levobupivacaína e ropivacaína têm uma seqüência diferente de cardiotoxicidade do que os agentes menos potentes. Doses aumentadas de
lidocaína levam a hipotensão, bradicardia e hipóxia, enquanto a bupivacaína leva a colapso cardiocirculatório por disritmias
ventriculares, difíceis de serem revertidas com ressuscitação. A toxicidade cardiovascular pode ser mediada no SNC. Tem sido demonstrado
que o sistema nervoso central e periférico estão envolvidos no aumento da toxicidade pela bupivacaína. O núcleo do trato solitário é um
local importante de controle autonômico do sistema cardiovascular. Além disso, a bupivacaína tem efeitos no sistema nervoso autônomo
periférico, com efeito inibitório potente nos reflexos simpáticos. Ainda apresenta um potente efeito vasodilatador direto. A toxicidade
cardiovascular também ocorre diretamente no músculo cardíaco. Quanto mais potente o AL, maior o efeito direto tóxico no miocárdio. Em um
experimento com ratos, foi verificado que tanto a lidocaína quanto a bupivacaína ou a ropivacaína apresentavam efeitos equivalentes na
contratilidade miocárdica; mas em compensação, a bupivacaína e a lidocaína apresentaram maior efeito na eletrofisiologia cardíaca do que
a lidocaína (prolongamento do QRS). Apesar de todos os AL se ligarem aos canais de sódio no miocárdio, a bupivacaína apresenta maior
afinidade pelos canais de sódio em repouso ou inativados do que a lidocaína.
São raras e envolvem as do tipo I (mediadas por IgE) ou tipo IV (imunidade celular). As reações são mais comuns de ocorrerem com AL tipo
amino-ésteres por causa do metabolismo para PABA.
O mecanismo de toxicidade nervosa ainda é motivo de discussões, mas acredita-se que os AL causem lesão em células de Schwann, diminuição
do fluxo sangüíneo neural com conseqüente isquemia. Os AL nas concentrações clínicas utilizadas são drogas seguras nos nervos
periféricos. No entanto, no espaço subaracnóideo os nervos são mais suscetíveis à toxicidade. Concentrações elevadas do AL como lidocaína
5% ou bupivacaína 1% ou doses muito elevadas de adrenalina são neurolíticas. A partir de 1991, há relatos de síndrome da cauda eqüina
após raquianestesia com lidocaína 5% hiperbárica com massa final acima de 80 mg. Existem muitos estudos in vitro a respeito do assunto e
esses sugerem que a lidocaína e a tetracaína podem causar neurotoxicidade, mesmo com as soluções clinicamente utilizadas.
Novas Perspectivas para Anestésicos Locais
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Anestésicos Locais com Menor Toxicidade Sistêmica
Sabe-se que a bupivacaína é um dos mais potentes anestésicos locais, com longa duração de ação, mas que ao mesmo tempo apresenta sérios
efeitos tóxicos em relação aos outros AL, como explicado anteriormente. A quantidade de mortes de gestantes que ocorreram com a
bupivacaína a 0,75% após anestesia raquidiana na década passada demonstra a importância de tal fato. Tanto é que hoje a concentração
máxima de bupivacaína para qualquer procedimento é de 0,5%. Assim, pesquisas foram sendo desenvolvidas no sentido de criar drogas tão
eficazes quanto a bupivacaína e que fossem menos tóxicas. Ambas, ropivacaína e levobupivacaína são, aproximadamente, equipotentes à
bupivacaína racêmica para anestesia epidural e de plexo e têm 30 a 40% menos efeitos sistêmicos em estudos em animais e em humanos devido
a uma reduzida afinidade pelo tecido cerebral e miocárdico com essa preparação isomérica.
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Anestésicos Locais de Longa Duração
Estão sendo pesquisadas drogas que possam agir por longos períodos (até 2 a 7 dias). O uso espinhal dessas drogas é limitado para o
tratamento de dor crônica por causa da longa duração de um bloqueio motor. No entanto, parecem ser muito úteis no tratamento de dor
crônica e aguda para infiltração local ou bloqueio de nervos periféricos. Para aumentar a duração do bloqueio, não estão sendo criados
novos AL e, sim, mudada a maneira como são apresentados: encapsulados em lipossomas, microesferas ou em polímeros, com degradação e
liberação lentas. Essas formas de apresentação também reduziriam a toxicidade dos AL no cérebro e miocárdio, talvez por uma menor
captação tecidual.
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Combinações de Anestésicos Locais
Os estudos mais recentes quanto à combinação de AL de ação curta como a cloroprocaína, lidocaína ou etidocaína com AL de ação longa, como
a bupivacaína e a etidocaína, ainda não permitem conclusões sobre a efetividade dessa mistura. Entretanto, a toxicidade sistêmica parece
ser aditiva e cautela deve ser tomada com o limite total de doses tóxicas.
Bibiografia: Site da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (http://www.sba.com.br)